Os Verdadeiros Homens-Aranhas

Limpadores de vidraça, alpinistas e trapezistas ganham a vida pendurados nas cordas, como o personagem de Stan Lee

Camilo Vannuchi

Haja frio na barriga. Na vida real, são muitos os profissionais que passam o dia na corda, olhando a cidade de cima, pendurados em edifícios e viadutos. Sempre aparece um amigo para lascar a inevitável comparação: “Você parece o Homem-Aranha. Por que não procura emprego em Hollywood?” Vontade é o que não falta. Desde o dia 17, quando o filme dirigido por Sam Raimi estreou no Brasil, poucos são os trapezistas, alpinistas e limpadores de vidraça que não amargam uma pontinha de inveja do ator Tobey Maguire. Aos 26 anos, ele interpreta o herói no recorde mundial de bilheteria de todos os tempos. Não bastasse o repentino passaporte para o time de galãs mais requisitados do cinema, Maguire faturou nada menos que US$ 4 milhões pela empreitada e, de quebra, ainda capitalizou um affair com Nicole Kidman, conforme anunciaram os tablóides de Nova York. Quem se habilita? “Vivo balançando de um lado para outro. O que eu queria era ganhar a grana que ele ganha”, admite o trapezista goiano César Alves, 35 anos, do Circo Stankowich.

Milton trocou a pintura de interiores pela reforma de edifícios. Como o herói dos gibis, ele vive por um fio.

Filho de trapezista, César já arriscava seus saltos mortais quando conheceu a também trapezista Adriana Stankovich, 34 anos, hoje sua mulher. “Ela jogou a teia e eu fui fisgado. Como você pode ver, todos temos alguma coisa do Homem-Aranha”, brinca César. Como ele, o pintor Milton Bezerra, 36 anos, sabe o que significa viver por um fio. Milton é um dos funcionários da

Renovar Pintura Predial, empresa especializada em reformas de fachadas de edifícios.

Desde que trocou as obras entre quatro paredes pela vertiginosa tarefa ao ar livre, há dez anos, Milton não quer mais saber de subir e descer escada. “Pintura dentro de casa é chato e cansativo”, conta. Milton acha graça quando algum morador se assusta ao vê-lo passar rapidamente pela janela. E sempre apela para o equipamento básico da profissão, até porque não pode confiar em uma rede de proteção, como César. “A verdade é que o Homem-Aranha do cinema também usa cordas e cabos de aço. A gente é que não vê”, ensina.

O trapezista César Alves sonha com os milhões que o ator Maguire levou no faz-de-conta.

Milton Bezerra nem imagina a quantidade de equipamento e dublês que a superprodução da Columbia Pictures

sem contar as horas passadas em frente ao computador para gerar as imagens mais arriscadas. Se soubesse, talvez ficasse desapontado com a facilidade de ser herói. Das cenas mais exigentes, a única que o ator Tobey Maguire fez questão de assumir foi a deliciosa sequência em que o adolescente Peter Parker, identidade secreta do Homem-Aranha, recebe de cabeça para baixo o tão sonhado beijo da cobiçada colega Mary Jane, interpretada por Kirsten Dunst. Pode-se dizer que Maguire é bastante flexível no que diz respeito a profissionalismo. E o que é um metro e meio de altura diante de uma beldade como Kirsten? Como o ator, o fotógrafo Marco Terranova também não mede esforços em nome da profissão. Aos 38 anos, ele aprendeu a escalar para conquistar de cima a paisagem do Rio de Janeiro e acabou se especializando em ensaios de alpinismo. Pendurado na pedra da Gávea, Terranova confessa, sem poder apelar para um dublê: “Tenho medo de altura, mas confio nas cordas e nas ferragens. Agradeço todos os dias por voltar são e salvo.”

O instrutor de rapel Airton se orgulha de ter resgatado esportistas despreparados.

 

 

 

 

 

O fotógrafo Terranova se pendura em cabos de aço para flagrar alpinistas e as belezas do Rio

 

Mais uma coincidência: como Terranova, o personagem Peter Parker ganha a vida como fotógrafo na quarentona história criada por Stan Lee. Enquanto o carioca clica alpinistas, o herói dos quadrinhos estampa em grandes jornais fotos de si mesmo em ação. Ponto para a tecnologia. “A gente se diverte com esta história de parecer o Homem-Aranha, mas eu já tive meus minutos de herói”, conta o instrutor de rapel Airton Imamura, 32 anos, gerente operacional da agência de expedições e esportes de aventura Vertical, de São Paulo. “Tem muita gente mal preparada que se arrisca e vira-e-mexe se acidenta”, diz. Figura carimbada no montanhismo, Airton desliza há mais de oito anos em cachoeiras e cânions. Para treinar, vai ao disputado viaduto da avenida Doutor Arnaldo, na capital paulista. “Já socorri uma garota que ficou presa pelos cabelos. Estaria pronto para, em caso de incêndio, descer pela parede do prédio até o apartamento de baixo e resgatar o morador”, garante. Airton ainda acompanha, sempre que pode, as aventuras do Homem-Aranha nos quadrinhos. “Estou ansioso para ver a continuação do filme. Depois que Peter Parker vira adulto, ele troca a fantasia azul e vermelha por uma roupa preta e as aventuras ficam mais maduras”, adianta. Quem sabe algum desses homens-aranhas da vida real não consiga um papel de figurante na próxima aventura do herói, com estréia marcada para maio de 2004…

 

Colaborou Marcos Pernambuco (Rio)

 

O recorde da teia:

 

Caíram na rede. Apenas no primeiro dia de exibição nos Estados Unidos, uma sexta-feira, foram arrecadados US$ 39,7 milhões, batendo o recorde anterior de US$ 33,5 milhões de Harry Potter e a pedra filosofal. Até o domingo, o filme já havia arrecadado US$ 114 milhões para os cofres da Columbia Pictures. Nada mal para uma produtora que operou no vermelho por 12 anos – desde que foi vendida para a Sony em 1989 – e só no ano passado conseguiu sair do buraco. No Brasil, as peripécias do herói adolescente arrastaram para o cinema 1,2 milhão de espectadores no fim de semana de estréia. Novamente, bateu a marca dos 800 milhões de brasileiros que assistiram a Harry Potter no mesmo período. Efeitos especiais invejáveis, excelente atuação de Tobey Maguire e o carisma do personagem explicam as enormes filas que se formaram pelo País – até mesmo na Grande São Paulo, onde 121 salas exibem o filme.

 

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